21 dezembro 2008

recordações

A maioria dos membros da minha família mora numa cidadezinha a duzentos quilômetros daqui. Sempre, nas férias, feriados ou datas comemorativas, voltávamos para a simplicidade e calmaria daquele interiorzinho quente. Deixando mamãe contentíssima em voltarmos ao ninho materno. Ao anoitecer, diariamente, filhos, genros, noras, netos e um ou outro parente que aparecia de quando em quando, reuniam-se ao lado do jardim, na varanda de piso mosaico, da casa verde da vovó. Nós, os netos não conhecemos o vovô. Os adultos sentados em cadeiras de balanço, rindo-se, tomando um cafezinho com uns pães-de-ló, falando do dia e dos outros. A meninada correndo solta, brincando de pega-pega, mas só depois de pedir a bênção e cada um dizer: “Deus te abençõe”. Vovó Dina fazia questão que fosse assim. Anos e anos assim. Toda a minha infância assim. Inesquecível. Aquele cheiro orvalhado e toda aquela gente minha. Estávamos empolgados e jubilosos para o aniversário de oitenta anos da vovó. Seria no sítio, para reunir toda a família, até aqueles mais distantes e esquecidos. Mas ela não quis e não agüentou. Estava gélida e linda toda de branco. Morreu minha avozinha... Caminho do hospital em frente à igreja de Santo Antônio. Tão fiel católica que era. Na missa, o padre falou que o céu ganhou uma nova estrela. Todas as noites eu olhava para o céu, querendo encontrá-la. Aquela que nos dava biscoitinhos e não brigava com nenhuma danação nossa. Aquela de sorriso frouxo e encantador.
A casa ficou vazia e sem graça. Foi alugada. Todos reservados em suas casas, sem mais conversas e planos para festas. O ano inteirinho, só se conversava e se via quando visitávamos alguns e outros sem pressa. Não tinha mais um lugar e um horário, em que todos pudéssemos nos reencontrar, como antes todos juntos de uma vez.
O Natal estava próximo. A tia mais nova inventou de fazer uma ceia. Alguns resistiram ao convite. Tudo muito simples, sem peru, mas com muito prazer e muitos presentes.

– Seja bem-vindo...

– Ah, que bom que você veio...

Naquela noite natalina estava todo mundo junto. Lembranças, um choro miúdo e silencioso. Orações, trocas de presentes, brincadeiras, enfeites, sobremesas deliciosas, fotografias, pisca-pisca, música, meninada correndo solta, aquele cheiro orvalhado e toda aquela gente minha...

06 dezembro 2008

espera

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a espera é tão-somente pelo ser amado.
a espera é unicamente para acordar curado.
(sem dor e sem amor)
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08 outubro 2008

conto de outubro: um coração sitiado

“... mas o que me impressionou mesmo eram os olhos:
seu brilho, sua animalidade e sua inquietação...”

(Mulheres de Charles Bukovisk)

Serei verdadeira como costumo ser, mesmo correndo o risco de que em conseqüência desta atitude possas mudar o teu conceito a meu respeito. Serei mesmo assim verdadeira, já que nem tudo só foi agrado, também escutei os teus desatinos, agora é a minha vez de perder o juízo.

E se eu me arrepender de ser fiel aos meus sentimentos e palavras depois de tanto me expor? E se de nada valer o que sinto? Conformo-me. Valerá a tentativa de mostrar-te o que se passa em mim. Talvez não escute o que gostaria, nem sei o que gostaria de escutar e se gostaria de escutar de mim ou daquela que te exige dinheiro. Eu também te exijo dinheiro, mas te dou prazer, então vale a pena. Foi assim que me conheceste, assim me desejaste e assim me possuíste. Não sei ao certo a partir de qual instante começaste a se aproximar de mim. Só percebi porque me seguiste até o cassino. Sabias onde me encontrar, afinal de contas à noite estou sempre acesa e a rua é o meu lar. Em cada esquina rebolo e deixo um pouco do meu riso gozado. Arrepende-te dos curtos momentos que dedicamos um ao outro? Nem tudo foi mentira, não é?

Não esquecerei as noites juntos, como lobos, domados pelo instinto. Estúpidos. Selvagens. Na rua, no carro, na escada do teu prédio, na praia, na cama da tua mulher, nos motéis mais sujos da cidade.

Mas sendo bastante racional resolvi não mais desejar-te como antes, pois que o nosso romance não pode ser. Estivemos juntos, mas nunca estivemos por inteiro juntos. Estiveste sempre à mercê das crianças, do teu chefe e dela, a quem juraste amar até o último dia da tua vida diante do Senhor, no altar. Sabes, nunca acreditei no amor. Eu, prostituta, não tenho ilusões, não sofro por homem como a tua mulher, que te liga aos prantos toda vez que estás comigo e perdes a hora de voltar pra ela. Sinto por ela, afinal também sou mulher. Mas tu és tudo o que quero. Foste capaz com sabedoria de conduzir-me a ti. Tenho pensado em ti e agido por ti. Tens um jeito lindo que é só teu. Tens a nudez de espírito. És romântico. É muito bom estar ao teu lado. Gostaria que gostasses de mim, do meu "eu" verdadeiro, que nem sempre é forte, nem sempre é belo, nem sempre é sensual. É como é. Somente tu consegues me fazer pensar em ter uma vida de santa como as camponesas em um alpendre e uma cajuína para acompanhar o canto dos pássaros. Fico imaginando essas cenas de filme... vestido singelo, uma trança no cabelo e o teu amor comigo. Acho que se fosse filme mesmo eu seria uma boa atriz, já fingi tantas vezes, mas não te preocupes, nunca contigo.

Desejo muito o teu companheirismo, mas, já que não é possível, tenho que me livrar dessa loucura de amor. Eu, prostituta, não posso amar. Esse negócio grudento. Não há lugar para mim dentro de ti e vice-versa. Não, querido, estou falando de coração, sentimentos, não de encaixe. Percebo que não estou ao alcance do teu coração, há muitas diferenças. Talvez não tenhas respostas a dar se eu perguntar: por que eu? Ou: por que não eu? Não tenho o direito de sentir medo de te perder, mas o sinto. Estou expondo a minha vontade, que é ter o teu juramento, não assim aos pingos, a prestações. O que há de mais importante entre nós são os encontros marcados para o prazer, e só. Acontece que o teu prazer não me alimenta mais. Eu tenho coração, sabias? Meu coração ainda está aqui no lado esquerdo do peito. Consegues sentir? Ter coração, ou melhor, ter consciência para se permitir ao prazer e se privar de um sentimento bonito, separando do amor o sexo, não quero sentir por ora. Estou cansada dessa instabilidade: escondido, proibido, errado.

Guardo e somo às minhas experiências o que tivemos e já sinto saudade de tudo isso. Levarei comigo os momentos deliciosos de empolgação e euforia. Levarei comigo o teu jeito menino, o teu sorriso safado, tuas danações, tuas provocações, tuas palavras afetuosas de conforto e orientação. Um dia quem sabe saio dessa vida. Mas neste momento opto pela distância do teu corpo. Não adianta me dar carro, casa, sobrenome. Outros me darão. Tu nunca me darias o teu amor. Trairias a minha fidelidade assim como fazes com ela. E não me venhas com propostas. Teu dinheiro não compra a tua própria fidelidade. Não há nada para repensar. Não te prometi a eternidade, e quem de imediato a promete, meu bem, mente. "Estranhos no primeiro encontro, estranhos na despedida", já dizia Bandini, não seria diferente conosco. Ah, mas deixa comigo uma caixa de cigarros de cravo-da-índia? Lembrarei de ti sempre que fumar um. Sinto, meu bem, esta dama já te pertenceu. Sinto. Elejo o meu coração prostituto.
Vou andar pelas ruas, me sentir nua, me matar.

28 setembro 2008

crônica de domingo: unha encravada

Domingo à tarde. Estava passando do meu quarto para o quarto de minha mãe, quando vi meu irmão e sua namorada na sala de estar, namorando. Não foi possível conter, eu ri. Ele estava com sua pose de homem casado, relaxado, assistindo à TV. Ela, por sua vez, estava concentrada em sua função: a de manicure. Isso mesmo. Ela estava “fazendo” as unhas dele.

Ri, porque lembrei que já vi essa cena uma penca de vezes. Quando criança, acompanhava o namoro de uma vizinha mais velha e todo domingo, estava ela lá limpando, lixando, hidratando as “patas” do namorado. Achava até bonito, um gesto carinhoso, mas também constrangedor. É por amor ou um favor?

Desde que comecei a namorar nunca me ocorreu desempenhar esse papel. Nunca me dispus a tal tarefa. Não dou conta, não tenho jeito com as mãos. E não “sinto muito” por isso. Um ex-namorado - de longo tempo - veio certa vez dizer que era de se estranhar eu não cuidar de suas unhas. Era só o que me faltava! E ainda completou dizendo - assim meio menino mau criado - que todas as suas ex-namoradas cumpriam com entusiasmo essa função. Imagine só a cara de pau. Respondi sem calcular: olha aqui, meu filho, sou sua namorada, e ser apenas isso, já me dá muito trabalho, não posso me ocupar com mais essa tal atividade não. Você que se responsabilize por si. Ora!

É curioso. Sempre vi amigas e vizinhas cuidarem das mãos e dos pés dos seus amados. Cortando, lixando, tirando cutículas, unha encravada...
Pergunto: por que as namoradas têm que posar de samaritanas e fazer de conta que gostam de limpar as unhas do namorado? Por que o homem não é capaz de ir ao salão para fazer isso com um(a) profissional? Falta de tempo? Ou isso comprometeria sua reputação? Seria vaidade em excesso ou uma questão de higiene? Por que o homem não se sente ofendido com isso? Não estaria ela desconfiando da sua higiene pessoal? Por que ele recebe esse ato de bom grado?

Pois, revelo: o que era para ser ocasional, um ato de ternura com o namorado considerado especial e que já se tem intimidade suficiente, torna-se hábito, ou obrigação mesmo, e se repete a cada domingo, ou a cada novo namorado. Não se trata de um cuidado todo especial para com o então digníssimo atual namorado especial. Não. Trata-se da boa vontade da namorada em querer agradar o namorado, seja qual for. E quando solteiras, se fossem capazes de admitir essa fraqueza, diriam: eu queria um namorado para ao menos cuidar de suas unhas!

Surpresos? Para elas considero ainda pior, pois depois que os namorados se acostumam, aí, querida super namorada, não se livrará jamais da função de manicure. Acostumou mal. É isso mesmo que você, mulher apaixonada, quer, não é? Afinal, você é a mulher-maravilha, além de dotar todas as características de uma namorada perfeita dando carinho, colo, rumo e amor, você também cuida da higiene pessoal dele, enquanto namorada, e depois da casa, do jardim, do cachorro, e se duvidar até do carro quando se casarem, mas e daí, você está apaixonada, e o que fazemos quando somos flechados pelo cupido?! Uma pessoa apaixonada faz muitas coisas, não? Uma unha encravada é o de menos. O amor cravado no peito é um investimento sem preço.

18 setembro 2008

tum-tum-tum

olha-me deixando-me fascinar por teu encantamento
e numa desesperada loucura
de ter-te,
querer-te sentir
perco-me em pensamentos esparsos
e desejo te gostar sem que o medo me acompanhe
mas
pensar em ti
para quê?
é pensamento em vão,
[é perdido]
pois tu deves estar ocupando
a tua vida e
o teu coração
e eu?
a me prender em enclausurados pensamentos
tão longe de ti
que nem sonhas o quanto eu sonho
o quanto eu quero
quero e sinto
em vão
não
vou chorar
tento
não agüento

14 setembro 2008

terceiros


Sente necessidade de colo e mão firme. Os que sentem teu cheiro percebem-te diferente. Ela sabe. És teimosa. Difícil de convencê-la. Está tão envolvida consigo mesma que se tornou difícil sair de si para se observar. Está sensível às cores, às palavras, às músicas, ao silêncio. Não sabe o porquê da sensibilidade e torna-se mais cautelosa com as escolhas. E recatada. Guardando para si as inquietações do coração, sentindo-as no âmago. Improvisando dia e noite. Sente algo morrer e parece não ter tempo para viver o luto. Muda de comportamento, mas tem a essência imutável. Começa a compreender o momento – será divino ou amaldiçoado? – quando silencia corpo e pensamento. É o danado gosto por gente.
Mas serás divina ou amaldiçoada?
E dá conta de que não se permite chorar. Sua voz interior ordena: sinta o que for cale-se, silencie, observe.

03 setembro 2008

sem título

tudo pra mim
tudo por mim
tudo sou eu
tudo quero eu


(Eu juro, tentei não me expor desse modo, mas o desejo falou mais alto. E como mulher é um tanto mais sentimento que razão, permiti que a vontade usasse seu feitiço. Versos antigos e guardados com cuidado na caixinha de papéis, ainda não estão vencidos, ainda são testemunhas dos fatos.)

31 agosto 2008

recomeço

O amor nunca vem só
com o seu encantamento
a esperança de que dessa vez será para sempre é a primeira a chegar
as dúvidas acompanham os encontros iniciais
a posse surge nos primeiros meses
e as diferenças não tardam a aumentar

O amor nunca vai só
com o seu sofrimento
o choro é o primeiro a sair
as boas lembranças acompanham os passos da despedida
o arrependimento surge nas últimas conversas
e a dor da ausência não tarda a se alastrar

O perdão nunca vem só
com a sua certeza de que ficará tudo bem
a vontade de recuperar os momentos vividos é a primeira a chegar
a insegurança acompanha as novas juras de amor
o risco de vacilar desorienta os sentidos nos primeiros reencontros
as promessas de não mais errar surgem com a reconciliação
e o amor, permissivo, não tarda a se reaproximar do coração

25 agosto 2008

se

eu queria que sentisses o que eu sinto
eu queria te possuir
eu queria te levar comigo
eu queria te mostrar quem sou

e preciso dizer que te espero, dizer o quão te quero

antes que o tempo passe
que eu desabe
que o verso acabe
que tu te cases

antes que tu te esqueças de mim
antes que eu me esqueça de mim

20 agosto 2008

sobre coincidências

fico aflita quando penso em coincidências.
elas são imprevisíveis,
são encantadoras e assustadoras,
são efêmeras,
espontâneas,
são incontroláveis,
são (in)desejadas
e são puras.
que fazer com elas, meu Deus?

18 agosto 2008

a letra B

eu te beijo
os sentimentos
beijo com sentimento
sinto para beijar
beijo para sentir
sinto o beijo
beijo e sinto
beijo sentindo
beijo os beijos
mas nada é igual a ter
sentimento no beijo.

17 agosto 2008

inaugural

minha vida é sempre um começo.
não porque estou sempre disposta
e aberta para começar algo,
mas porque nunca termino o que começo.

14 agosto 2008

esperança

meu coração está esperando por uma pessoa.
está esperando que ela cresça.
quem?
eu mesma.

sabes o que estou a pensar?

meus olhos em busca dos teus querendo perceber o que sentes
amor
assim como eu

10 agosto 2008

lição

Onde você está?
Aqui.

Que horas são?
Agora.

Quem é você?
Este momento.

(Do filme "Poder além da vida" baseado no livro de Dan Millman.)

09 agosto 2008

antropologia visual da mulher V


Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome
que não é o meu de batismo ou cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei,
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim-mesmo
ser pensante, sentinte e solitário
com outros seres diversos e conscientes

de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco da roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrina me tiraram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Para me ostentar assim, tão orgulhoso
e ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.


(Carlos Drummond de Andrade)


06 agosto 2008

antropologia visual da mulher IV


“... é que Narciso acha feio o que não é espelho...”
(Caetano Veloso)

Quem não conhece Narciso?
O mito de Narciso simboliza a vaidade. O consumo da vaidade que nunca cessa. O desejo incessante de ser mais bonita, mais magra, mais atraente, de parecer com a modelo da capa de revistas, de usar a roupa da atriz da novela das oito...

Segundo Mccracken, a revolução do consumo surgiu paralelamente à Revolução Industrial. Essa revolução no consumo, não foi tão somente uma transformação dos gostos, das preferências e dos hábitos de compra, mas significou uma mudança na cultura do mundo. Claro, já existia uma cultura de consumo, mas foi no século XVIII que houve o “boom”: a explosão do consumo; quando se deu o consumo de massa, em que herdar objetos tradicionais dos familiares perdeu a função de distinção social e deu vez aos novos objetos. Consumir o novo virou moda, mas consumir era privilégio da classe nobre.

No século XIX, surgiu a democratização do consumo com a introdução do cartão de crédito, assim, produtos de luxo estavam ao alcance de todos. Porém, a elite buscou se diferenciar da massa, através da boa conduta e da posse dos produtos de fabricação exclusiva. Desde então, o consumo tornou-se uma atividade da massa, causando uma grande mudança social.

Atualmente, consumir é uma prática diária, e realizada de forma homogênea pela sociedade. Os anúncios vendem liberdade, poder, beleza, amigos, vida saudável... Enfim, formas “ideais” de ser. Tratam o consumidor como mero objeto, que uma vez convencido da relevância do produto para sua vida, é lucro garantido. Essa forma “ideal” de ser e essas imagens ideais de beleza são artificialmente criadas para ludibriar os receptores, com o propósito único de vender uma imagem, uma marca.


Nesta campanha publicitária da Dove, fica bem clara a proposta de uma nova definição de beleza. Claro que não deixa de ser uma estratégia (muito boa!) para vender os produtos da marca - que são consumidos por “elas” - , porém é um anúncio menos agressivo, que inspira as mulheres à se aceitarem.

Bons filmes:
Janela da Alma – Documentário (este é introspectivo, reflexivo... mostra o olhar como a janela da nossa alma)
Clube da Luta – Ficção (este discute a relação eu comum x eu que quero ser, é maravilhoso!)
Nunca é tarde para amar - Ficção (este conta a história de uma mulher mais velha - não adepta de pláticas - que se apaixona por um jovem, é lindinho!)

Boas leituras:
Cultura e Consumo – Grant Mccracken (autor do boom do consumo)
O Império do Efêmero – Gilles Lipovetsky
Outra dica é a matéria "Que o luxo seja acessível a todos" de Norma Couri do Jornal do Brasil

P.S.: Déo, obrigada pela paciência em me ajudar a postar o vídeo. Beijos!

02 agosto 2008

antropologia visual da mulher III


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha esse coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Mulher ao espelho

Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz,
já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal fez, essa cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se é tudo tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira,
a moda, que vai me matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

(Cecília Meireles)

01 agosto 2008

antropologia visual da mulher II


Vivemos na sociedade da imagem, e assim, o homem moderno recebe, assimila, relaciona e revela todas as informações através das imagens, sendo o olhar o principal meio de percepção. Através do olhar percebemos as pessoas e as coisas ao redor da maneira que desejamos, do modo que internalizamos as nossas impressões. Vemos o que vemos de acordo com nossas experiências, com a nossa educação, com a nossa percepção do mundo e do seu sistema. Mostramo-nos e conhecemo-nos visualizando e aceitando as formas individuais de ver. E nesse caso, ver quase significa pensar.

O olhar tem suas interpretações, tanto no sentido “literal” – quero dizer físico - (olhar para baixo, para cima...), como no sentido "literário" – quero dizer conceituações sobre os olhares – (olhar distante, olhar apreensivo, introspectivo...), então penso que existe a concretização do olhar, que é físico, e ao mesmo tempo é abstrato, pois há subjetivações do mesmo olhar, quando me enxergo no olhar alheio, quando um olhar me sorri, quando um olhar me propõe algo, quando um olhar me entristece, ou me engana. Eu vejo esses olhares, eu tenho sensações ao vê-los, eu me entrego quando os vejo, bem ou mal, eu os interpreto.

No texto Fenomenologia do Olhar, de Alfredo Bosi, encontrei uma reflexão sobre o fenômeno do olhar. Alfredo Bosi desenvolve seu texto a partir das citações de outros autores, da percepção do olhar físico, do significado que tem o olhar e sua intensa intencionalidade. Ele analisa várias dimensões no discurso de Simone Weil. Selecionei alguns trechos dos muitos interessantes que li:

“Em suma, há um ver-por-ver, sem o ato intencional do olhar; e há um ver como resultado obtido a partir de um olhar ativo”.

“O olhar poético se prolonga e se aguça na teoria atômica que vai infinitamente além do olho orgânico”.

“É a mente que se espelha e se confirma na sua eterna identidade consigo mesma”.

“A cegueira, diz Sócrates no Fédon, é a perda do olho da mente”.

“De um lado, memória, luminosidade do espírito e sobrevivência chamam-se e completam-se. Do outro: opacidade, morte. Duas dimensões da existência, dois olhares”.

“O olho, janela da alma, é o principal órgão pelo qual o entendimento pode obter a mais completa e magnífica visão dos trabalhos infinitos da natureza”.

“... o olho é a mediação que conduz a alma ao mundo e traz o mundo à alma”.

“Olhar não é apenas dirigir os olhos para perceber o “real” fora de nós. É, tantas vezes, sinônimo de cuidar, zelar, guardar, ações que trazem o outro para a esfera dos cuidados do sujeito: olhar por uma criança, olhar por um trabalho, olhar por um projeto”.

“Às vezes a expressão do olhar é tão poderosa e concentrada que vale por um ato. Um ato de acolhimento: dar um olhar, conceder um olhar, pôr os olhos sobre alguém, deitar-lhe um olhar – tudo vem a ser prestar atenção, o que é um sinal ou uma esperança de favor se não de benévola aceitação”.

“Os olhos não só vêem ou percebem, mas querem absolutamente”.

Esta última vale um parêntese: tem um PODER desmesurado. Prossigo com as citações que considerei ainda mais entusiásticas, que me deixaram entorpecida, fazendo-me vigiar o meu próprio olhar, assim mais de perto:

“Não é um conhecimento de simulacros ou de emanações desprendidas dos corpos. Tampouco é um conhecimento de sombras, cópias ou reflexos que remetem a idéias transcendentes à visão. É um conhecimento de pessoa, de um ser vivo cujo corpo-alma se dá ao olho que o contempla”.

“Olhar de perto, olhar de anatomista que observa, em plena luz, as mais finas articulações dos corpos vivos; olhar de naturalista que tateia, como se fosse com as pontas dos dedos, as rugas das pedras”.

Acredito que o olhar é intencional quando tem intenções outras, ou sem intenção alguma, uma simples e breve olhadela. Que tem entre o fenômeno do olhar e a antropologia visual da mulher? Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu? É preciso ter um olhar moderador perante a busca incessante da beleza. A beleza mais bonita é a do coração bondoso. Achou clichê? Sabe aquela conversa conhecida de que a pessoa nem é tão bonita, mas é tão legal que se torna bela, pois é... eu acredito.

A beleza natural é a perfeição. Tá, tá tudo bem, eu nem sou tão natural assim para estar defendendo tanto, eu também me maquio (e esta palavra pode ter várias interpretações), mas sou a favor do equilíbrio desse consumo de beleza. Gosto da espontaneidade, da naturalidade, e da velhice como ela é. Apesar de não saber se vou me adaptar.

(Desculpem as palavras mal empregadas “olhar literal” e “olhar literário”, mas enquanto estava envolvida com o texto, pareceram palavras atraentes e ainda gosto delas. No entanto, tenho dúvidas se me fiz entender, porém, contudo, entretanto, no entanto... isso não importa muito agora.)

Boa leitura:
O Olhar - Adauto Novaes (inclui o texto Fenomenologia do Olhar, de Alfredo Bosi)

28 julho 2008

antropologia visual da mulher I

“Tu és a forma ideal
Estátua magistral
Oh! alma perenal
Do meu primeiro amor
Sublime amor...

Tu és de Deus
A soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração
Sepultas um amor...”

(Pixinguinha)

Antropologia visual da mulher é de certa forma uma continuação do trabalho “nua e crua”, que por mencionar as funcionalidades do corpo feminino, me fez constatar a importância de discutir as harmoniosas relações: mulher x imagem e mulher x consumo. Fiz um estudo, ainda que superficial, sobre a teoria funcionalista da estética para complementar o propósito da conversa, já que a estética está diretamente ligada à imagem e ao consumo (além do prazer, é claro).

Bem, a teoria funcionalista da estética é uma teoria que considera uma coisa bela quando essa coisa é feita para funcionar bem e realizar exatamente o trabalho que lhe cabe executar, assim, será considerada bela. Infelizmente é ambígua e pode ser interpretada em vários sentidos. Durante o século XVIII, o termo beleza estava estreitamente ligado à apreciação intelectual das leis da natureza ou à apreciação das adaptações teleológicas (sinais da intenção divina) do mundo orgânico. A arte não era criada para ser admirada por sua estética. Foi a partir deste século que surgiu a concepção de belas-artes e a separação entre o artista e o trabalhador.

Louis Sullivan afirmava que “a forma acompanha a função”. Essa frase influenciou os artistas do século XX. Descrever os desenhos utilitários de móveis e equipamentos domésticos; firmava a arquitetura e o desenho industrial ao fazer uma coisa funcional que se adaptasse ao seu propósito, assegurando que ela teria qualidade estética, seria bela para os olhos e os sentidos. Essas eram as idéias de funcionalismo.

Então, percebe-se que algo era produzido de forma artística para ser utilizado, para que funcionasse, e esse algo era considerado belo por ter uma função. Não havia o julgamento da "arte pela arte", a simples admiração, contemplação ou apreciação da beleza. A "beleza pela beleza" é uma característica já enraizada na sociedade contemporânea, que certamente conduzirá os parâmetros do que deve ser reproduzido como visualmente belo futuramente, e já reconstitui o conceito de beleza, seu significado e seu reconhecimento.

(Caro leitor, se gostou deste post fico contentíssima e aconselho a leitura do livro Estética e Teoria da Arte de Harold Osborne, articulista dessa teoria comentada acima - a teoria funcionalista da estética. Faço isso, principalmente, em consideração ao comentário da observadora visitante Manulira.)

27 julho 2008

nua e crua

Dimensão original: 15 x 35 cm

- Cabelos: Referencial da condição feminina.
- Olhos com óculos: Um olhar seletivo. Olhos que vêem nitidamente quando querem, e podem optar por ver ou não, assim como a sociedade, que vê com olhos alheios, acrítica.
- Boca: Batom
- Mãos: Identidade. Quem é? Mulher.
- Seios: Próprios da mulher.
- Barriga: Maternidade.
- Costas: Expressa aversão, indiferença para com a opinião alheia, por outro lado, a ignorância da sociedade, sempre de costas à realidade.
- Pés com sapatilhas: a princípio, beleza e leveza, delicadeza e fluidez de uma bailarina; em contrapartida, pés machucados, doloridos e amarrados, impedidos de dar passos além.

“Nua e Crua” é uma seqüência de imagens convidativas sem a intenção de vulgarizar esta belíssima condição do ser mulher. A idéia que instiga este trabalho é o limite das escolhas, especialmente as feminis.

Nós mulheres, podemos fazer nossas escolhas entre as várias oportunidades que o mundo nos oferece. Podemos nos sentir e nos considerar libertas. Porém, estas escolhas e esta liberdade são limitadas, pois somente podemos viver e sentir dentro da nossa condição de mulher. Não temos as mesmas sensações que os homens ou os bichos. Não temos a opção de escolher em um momento ser mulher e sentirmos como tal ou decidirmos ser um animal e sentirmos tal como ele sente. Assim, as coisas somente são o que me parecem até onde eu puder vê-las, tê-las e compreendê-las, mas com a condição de ser mulher. Com sensações, intenções e expressões femininas. O “eu mulher” no mundo.

Este trabalho parte de um olhar feminino e explora a feminilidade. Apresenta características puramente femininas que representam partes curvilíneas facilmente destacadas do corpo de uma mulher, as quais mostram ser ou não ser de uma mulher, mesmo ao longe. Expõe delicadezas feminis despidas de imposições e preconceitos. A mistura da poética com imagem foi esta composição fragmentada do corpo da mulher e suas respectivas funcionalidades.

“Nua e Crua”, título e obra, inspiram a liberdade, naturalidade e delicadeza feminil, sugerem a reflexão, e por fim, declaram o ater-se, o incompleto ser perfeito.

(Trabalho fotográfico desenvolvido em 2004 para as aulas de história da arte da universidade. Um trabalho queridíssimo, cujos questionamentos levantados são tão instigantes quão atuantes, pelo menos diante do meu olhar.)

25 julho 2008

sr. & sra.


um vento leve e frio
um irresistível vinho

a sós
noite adentro

descalços
deitados
no chão espalhados

vestido cor de algodão
terno cor de carvão
compromisso nas mãos

no olhar, doçura
no corpo, loucura

o beijo molhado
o corpo cálido
o sentimento tácito

deleite consumido
tudo por um capricho
o de ter um abrigo

cai o véu
agora és fiel
que coisa boa, Deus do céu

18 julho 2008

estação das cores


“Atrás de mim vem um trem
numa velocidade espantosa –
mas que nunca me alcançará.”
(M. Sorescu - poeta romeno)

Meu primeiro afazer de hoje: trilhar caminhos. E todos me levam a crer que esse percurso tem uma singela harmonia, e que, cabe justinho num roteiro de um filme. Um filminho lindo, que passará em minha memória nos próximos longos dias de rotina regados a mel, trigo, leite.

Trem das cores, dos doces, dos prazeres, das raças, dos humores, dos rumores, das amenidades, dos destinos. Vidas que transitam reclusas de um vagão a outro. Vidas intransitáveis. Sujeitos sem rosto, sem sexo, apenas seres. Vivos. Cada pessoa um personagem. Cada personagem uma história de vida que vale ser relatada. Um mundo, um poço profundo de experiências e imaginação, um universo de sensações, cultura, sonhos, esperanças, intrigas, dores, amores, brios, infinitas possibilidades.

Registro. Palavra inquietante, que puuuulsa latejante (em mim ultimamente). Instigante, vibrante e tudo o mais. Tudo vale ser registrado, consumido, consumado, tudo merece ser revisto, ser lembrado, ser sentido outra vez, e numa próxima vez, e mais uma vez. Porque viver é uma longa caminhada. Andanças entre muitas estradas, desvios, curvas, retomadas, paradas obrigatórias, acidentes, subidas e descidas, corridas em alta velocidade, partidas e chegadas, como bem lembra Milton Nascimento.

“Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega prá ficar
Tem gente que vai
Prá nunca mais...
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai, quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir...
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem
Da partida...”

Um encontro. Acasos. Imagens. Cores. Constatação. Um sopro.
Para saciar minha sede de viver outras vidas, essas e outras faltas que me acompanham, decidi os trilhos da minha vida, só por hoje.
E convido: vamos sentir, pensar, vivenciar, enfim, experimentar um filme?


ESTAÇÃO DAS CORES

CENA 01. EXT. ESTAÇÃO DE TREM – DIA
Trem chegando, apitando, soprando fumaça, todas as correntes enferrujadas estalando na tentativa de frear.

CENA 02. INT. ESTAÇÃO DE TREM – DIA
Dentro dos vagões, pessoas entram e escolhem um acento. Um e outro aproveitam a viagem para descansar e viram de lado para adormecer até chegar a sua estação. Outros se observam. Outras tiram o terço. Casais se enamoram. Estudantes lêem.
Um ou outro vendedor ambulante oferece doces e refrigerantes.

CENA 03. EXT. ESTAÇÃO DE TREM – DIA
O trem da a partida. Em movimento segue com alta velocidade. Olhares dispersos para a paisagem lá fora. Alguns pensam nas contas a serem pagas, alguns tentam agendar mentalmente as obrigações do dia. Mãe repreende a criança que quer ficar de pé.
- O trem está andando, você deve se sentar e ficar quieto.

CENA 04. INT. ESTAÇÃO DE TREM – DIA
Uma moça concentrada em sua leitura e anotações é interrompida por uma voz suave de uma senhora de meia idade.
- Está lendo querida?
- Humrum.
- Filha, desculpe interromper, mas qual é o livro?
- “Elogio da leitura”.
- É uma história de amor?
- Não. É um elogio à leitura.
- Ah, sim.
- Em que posso ajudá-la, Sra.?
- Você poderia ler um trechinho pra eu ouvir?
- Claro. “Leia agora ou cale-se para sempre. Leia agora e pense para sempre. Leia agora e abra-se para sempre, perca para sempre a inocência, ou melhor, a ingenuidade. O ouvido do leitor torna-se órgão privilegiado da inteligência. É o ouvido que comanda a leitura, dizia Ítalo Calvino. Lendo, ouvimos em nosso interior palavras transformadoras, inspiradoras, gozosas, dolorosas, gloriosas, luminosas. Ouvimos de modo atento e criterioso os sons emitidos por nós e pelo entorno. Ouvimos com mais nitidez o que nos rodeia, e nos ouvimos melhor. Podemos distinguir o ruído do murmúrio, o grito do brado, o gemido de dor do gemido de prazer, o choro convulsivo da convulsiva gargalhada”.
- Nossa. Estou emocionada, comovida mesmo. Quem dera saber ler, para sentir todas essas coisas.
- Ah, pego o trem sempre nesse mesmo horário e posso ler um pouco pra Sra., já que gostou...
- Não, minha filha, não se importe comigo não. Vá, faça seu estudo aí quietinha, que eu já estou habituada a fazer outras leituras.
- Mas qual? (rindo-se contrariada)
- Eu observo. Leio a alma, os gestos, os olhares dos passageiros e imagino o comportamento deles em casa, no trabalho, na rua... assim eu fantasio as vozes, visualizo as cenas na minha cabeça, não é por que não sei ler, que não sei pensar ou criar, não é mesmo?!
- É. (rindo-se carinhosa)
- Bom, vou descer na próxima, Estação do Segredo.

CENA 05. EXT. ESTAÇÃO DE TREM – DIA
O trem partindo. A senhora correndo acompanhando, ansiosa para se despedir.
- Ei, moça?! Acena com entusiasmo para quem acabara de conhecer.
O trem retoma sua jornada e segue para mais uma parada na próxima estação. Na estação seguinte, a moça salta e caminha reflexiva a passos largos.

CENA 06. INT. ESCOLA – DIA
Moça chega à escola.
- A tarefa de hoje, crianças, é passear num trem. Nós vamos perceber as pessoas, seus modos e vamos imaginar a vida delas, mergulhar no labirinto que é o mundo, para nós darmos continuidade às histórias inacabadas.
Mas antes, vou ler um trecho pra vocês. Então, olhos, ouvidos e corações, atentos: “Refiro-me, porém, com mais entusiasmo, a todo livro que seja espelho no qual nos vemos, e janela através da qual vislumbramos o Outro. Esse Outro é também o outro que atravessa a rua, que me faz um aceno, que me envia uma mensagem”.

Para a Sra.: uma conversa despretensiosa que ficará gravada na Estação da Lembrança.
Para a moça: uma conversa inicialmente desconversante, que ficará gravada na Estação do Coração.
Para mim: uma conversa a três, que ficará gravada na Estação da Imagem.

Boas leituras:
“Linha Férrea” de Tércia Montenegro, um ótimo livro de contos que recebeu o 1º Prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira em 2000 pela Revista Cult.
“Elogio da Leitura” – Gabriel Perissé

Boas músicas:
O Trem das Sete – Raul Seixas
Trem das Cores – Caetano Veloso

para todas as coisas: google


Para noites de insônia: internet,
Para grandes distâncias: skype,
Para matar a saudade: webcam,
Para encontros casuais/marcados: msn,
Para troca de mensagens: e-mail,
Para parecer mais nova: photoshop,
Para comentar: blog,
Para arquivar: pen drive,
Para a falta de tempo: podcast,
Para uma segunda chance: second life,
Para registros e memórias: youtube,
Para “quem sou eu”: orkut,
Para todas as coisas: Google

(Parafraseando a canção “Diariamente” – Marisa Monte)

blog: meu querido diário virtual


Era uma vez,
uma menina que gostava de escrever...

Meu querido diário, hoje, quero lembrar os tempos de meninice e toda aquela dedicação que eu tinha para escrever diariamente em suas páginas enfeitadas, sobre a aula da escola, à tarde na casa da melhor amiga, a cartinha do menino que morava na outra rua... Naquele tempo, eu o fechava com o cadeado cor-de-rosa e o escondia dos meus irmãos debaixo das roupas dentro do armário, e somente as amiguinhas, tinham o privilégio de ouvir sobre as minhas pequenas aventuras infantis. Ainda guardo todas essas lembranças e os diários que escrevi, e, que, levava horas personalizando com recortes, adesivos e embrulhos de bombons.

O tempo passou rápido, mas essa prática de escrever sobre o cotidiano de maneira íntima e particular ainda perdura. Não são mais os caderninhos com páginas enfeitadas impressas, mas páginas eletrônicas: os blogs. O blog resgata esse hábito de escrever sobre os fatos do cotidiano e tem a mesma função de um diário, com algumas diferenças, o blog não guarda segredo, ao contrário, ele expõe os textos virtualmente e disponibiliza para toda a rede, ou seja, qualquer pessoa do mundo pode visitá-lo.

Na área em que atuo, o Jornalismo, o blog foi bem acolhido; pois se tornou mais uma ferramenta de informação. É possível encontrar facilmente weblogs de jornalistas conceituados e que se dedicam fielmente todos os dias à sua página pessoal. Lembro de um amigo dizer, que a melhor maneira de se sentir atualizado é acompanhando os blogs dos jornalistas, porque discutem os temas mais importantes e fazem críticas proveitosas. Porém, não podemos esquecer que os blogs são parciais, pois é o julgamento de uma pessoa, e se for a única fonte de pesquisa do navegador, ele estará fadado à restrição e a uma visão de mundo limitada. É claro que fica aquela dúvida: será que posso confiar nessa ou naquela informação? Você deve procurar blogs de jornalistas que já tenham uma grande produção e que tenham respaldo, mas você escolhe em quem confiar, afinal, convivemos com a liberdade de expressão (graças a Deus!) e você tem o livre-arbítrio para decidir sobre suas escolhas.

Acompanhado de orkut, fotolog, msn, etc, ter um blog atualmente significa fazer parte do mundo virtual, e consequentemente, colaborar para a história da cibercultura. O blog pode ser o que o seu autor quiser: uma página pessoal, de trabalho, especializada abordando um determinado tema, sobre poesias, sobre política, sobre moda. E as vantagens? No seu diário virtual você é ao mesmo tempo o escritor, o editor, o censor… e publica o que quiser, afinal, você é o comunicador e você criou sua página para informar ou para entreter. E você poderá publicar quando quiser ou puder, enviando seus textos de onde quer que esteja. Uma ferramenta que possibilita o “blogueiro” se deleitar e expressar a sua versão dos fatos, a sua opinião, bem como possibilita qualquer internauta comentar, discordar, lamentar, etc.

O que é válido nisso tudo – ao menos para mim – é o registro. Registrar, documentar de alguma forma, através de cartas, blogs, diários, fotos, desenhos... Registrar os melhores momentos, as idéias empolgantes, os diálogos, as mudanças, o tempo.

15 julho 2008

costura


Raquel
-- raquelzinha -- euzinha -- menininha -- menina-mulher -- mulher-maravilha -- menina feita de amor e de dor -- menina cheia de ar, fogo, terra e água (principalmente) -- borboletinha -- bonequinha, toda desenhadinha -- de gesso -- gélida -- genuína -- introvertida -- introspectiva -- complexa -- completa -- 19 peixes -- mansa como uma ovelha -- desgarrada -- ovelha negra da família -- fêmea -- feia -- fiel -- fértil -- feminina -- gente fina -- divina -- modesta -- melosa -- melancólica -- chocólotra -- cabelos longos, lisos e desbotados -- desmedida -- sob medida -- ficar e terminar, em vez de começar e deixar pra lá... -- adoro a lua minguante e as quintas-feiras também -- intensa -- inteira -- sem eira, nem beira -- efêmera -- enamorada -- encantadora -- engraçada (risos) -- aspirações -- desilusões -- divagações -- nua -- menina de rua -- menina do mundo da lua -- crua -- menina feita de luz e de pó -- apagada -- amada -- fada -- mimada -- recatada -- conversa culta -- conversa puta -- conservadora -- mel e fel -- voluntária -- recolhida -- ré -- rara -- rasa -- clara -- amarga -- moda: não visto marcas -- chérie -- camiseta + calcinha -- convite: cafeteria -- trocar o dia pela noite -- livros e quadros -- Degas -- sou (in)feliz -- estou perto -- estou nas entrelinhas -- estou ao léu -- amo o meu umbigo -- eterna -- etérea -- blá...blá...blááá -- babadinhos, laços de fita e lese -- meus papéis riscados, rabiscados, amassados e em versos brancos -- rã -- rosto de leite -- vela -- bela -- março -- morta -- acessórios básicos: óculos e leque -- ansiosa -- ociosa -- recomeços constantes -- chororô na posição de um feto -- menina das pernas cor-de-rosa -- allegro/adágio -- diáfana -- abstrata -- canções e 340 missivas -- sou singular -- sou minha -- sou má -- como as obras de arte, eu não sigo linearidades -- estou de bem comigo mesma -- destemida -- descontraída -- Rima Aceitação Quase Uno Ermo Líquido -- meu quarto, meu abrigo, meu refúgio, meu casulo -- meio carente -- meio vidente -- diferente -- veemente -- pés, eixo, barra, plié -- paradoxal -- plena -- tenho medo do abandono -- dona -- bem-me-quer, mal-me-quer -- serena -- sincera -- singela -- donzela -- às vezes megera -- girassol -- girando ao teu redor -- “... cheia de graça ... bendita sois entre as mulheres...” -- zelosa -- silenciosa -- preguiçosa -- fabulosa -- teimosa -- charmosa -- dengosa -- jubilosa -- caprichosa -- confusa -- comum -- bem comportada -- safada -- sagrada -- tão boa que vê bondade nos outros -- fé íntima e pessoal -- individual -- gosto de me lambuzar de sorvete ou com a saliva de outrem -- excêntrica -- excessivamente sensível -- inesquecível -- um pouco anjo -- um pouco fera -- quieta -- ????? -- doçura e brandura não significam fragilidade -- faceirice -- romanesca -- minha letra -- literatura -- leituras -- lirismo -- língua -- corrimão e caminhada para ser literata -- passos calmos -- aplausos falsos -- mentiras -- pastilhas de hortelã -- atrevida -- atrativa -- grito de liberdade -- de verdade -- de saudade -- de costas -- batom na boca e perfume -- meias ¾ arrastão -- banana cortada com farinha, leite e chocolate em pó -- paz e muito amor -- fotografias da minha grande família -- anedotas -- sou a pessoa certa na hora errada -- oculta -- ocidental -- sensual -- beldade -- bel-prazer -- amigos guardados -- amores inacabados -- criativa -- criançola -- olhar perdidiço -- perdão -- perdição -- adoro a minha companhia -- minha escrivaninha -- seleta e declarações de amor -- abre teus braços, deixa-me abraçar os teus abraços -- linda, linda -- de morrer -- de viver -- eu sou -- holandinha -- todinha -- de Holanda.

(Lembrança da primavera de 1999.)

14 julho 2008

diário da mocidade


Senti tanta saudade de escrever e já faz tanto tempo. Sinto saudade dos pensamentos expostos em palavras. Como se eu tivesse me abandonado. Por que parei de escrever assim? Com esforço me dedico a estas linhas. E agora parece tão difícil descrever o que se passa aqui dentro. Tentando me despir, mas estou com vergonha, de mim, do meu próprio olhar observador.
Mas quero compartilhar trivialidades, as miudezas da vida.
Quero contar sobre a saudade que sinto das coisas que não vivi e a coragem que me faltou. Contar o que li em um livro e as minhas reflexões. Meus arrependimentos. Minha cura diária. E a caminhada pela manhã cedinho. As horas a fio dentro de uma cafeteria degustando a la carte ou na livraria folheando os volumes. O choro calado por não conseguir dizer às pessoas que gosto o quanto gosto. O riso sem graça. A cena espreitada pela janela do quarto, do carro. O filme do cinema e a peça de teatro do final de semana. Indicar um hit do meu disco favorito. “Beber umas recordações de família”, viajar para o interior para andar de bicicleta e tomar sorvete no banco da pracinha da Igreja, além de sentir a tranqüilidade penetrante. E aquelas noites mal dormidas, rolando na cama sem dormir, de tanta dor ou de tanto amor. Subjetividades. Depoimentos de felicitações ou aflições. Minhas narrativas pessoais e personificadas.

13 julho 2008

bem-vindo ao blog da raquel


“... isso granula, isso acaricia,
isso raspa, isso corta: isso frui.”
(Roland Barthes)

Sempre resisti às influências do mundo virtual, no entanto o blog caiu no meu apreço. Sentia anseio de organizar os textos avulsos, de tirá-los da gaveta da escrivaninha, de externar as vontades, e aqui, se compreende um espaço praticamente infinito para a criatividade. Quero, pois, ficar. Pode me chamar de blogueira.
O blog consegue ser um bom arquivo para os pensamentos não ditos (ou malditos), as idéias inquietantes, as lamúrias, as fantasias, as confabulações.
Pois bem, devo admitir que o interesse pelos posts intensificou depois de algumas experiências em sala de aula e após algumas tentativas, pensei em mil títulos e ainda bisbilhotei um tanto de blogues para ajudar a compor o meu diário público-particular. Sem aproveitar muito as opiniões alheias (melhor assim), eis um pedaço de mim: o blog.
Sem propósitos por ora definidos, proponho-me a escrever desprevenidamente, sem interrupções, sem pudores, e até mesmo como diz Barthes, “se perdendo também, de vez em quando, na vulgaridade”.
Agora, estou enamorada do blog, um chamego só.