02 agosto 2008

antropologia visual da mulher III


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha esse coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Mulher ao espelho

Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz,
já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal fez, essa cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se é tudo tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira,
a moda, que vai me matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

(Cecília Meireles)

Um comentário:

th. disse...

Aproveitando a poesia, falo de poesia. "E gerencia contribuições de 3ºs também. Porque a poesia é uma coisa só. E não é de ninguém." Né? Versos teus, quero-os.

A cada 4 postagens no guinaluar, outras 4 serão de convidados. Fostes a 1ª pessoa em que pensei quando tive de escolher as primeiras 4. Topas a parceria?

Quero que o guina seja assim um lugar em que se dá "poesia entre amigos". Acho que não há expressão ou melhor.