31 agosto 2008

recomeço

O amor nunca vem só
com o seu encantamento
a esperança de que dessa vez será para sempre é a primeira a chegar
as dúvidas acompanham os encontros iniciais
a posse surge nos primeiros meses
e as diferenças não tardam a aumentar

O amor nunca vai só
com o seu sofrimento
o choro é o primeiro a sair
as boas lembranças acompanham os passos da despedida
o arrependimento surge nas últimas conversas
e a dor da ausência não tarda a se alastrar

O perdão nunca vem só
com a sua certeza de que ficará tudo bem
a vontade de recuperar os momentos vividos é a primeira a chegar
a insegurança acompanha as novas juras de amor
o risco de vacilar desorienta os sentidos nos primeiros reencontros
as promessas de não mais errar surgem com a reconciliação
e o amor, permissivo, não tarda a se reaproximar do coração

25 agosto 2008

se

eu queria que sentisses o que eu sinto
eu queria te possuir
eu queria te levar comigo
eu queria te mostrar quem sou

e preciso dizer que te espero, dizer o quão te quero

antes que o tempo passe
que eu desabe
que o verso acabe
que tu te cases

antes que tu te esqueças de mim
antes que eu me esqueça de mim

20 agosto 2008

sobre coincidências

fico aflita quando penso em coincidências.
elas são imprevisíveis,
são encantadoras e assustadoras,
são efêmeras,
espontâneas,
são incontroláveis,
são (in)desejadas
e são puras.
que fazer com elas, meu Deus?

18 agosto 2008

a letra B

eu te beijo
os sentimentos
beijo com sentimento
sinto para beijar
beijo para sentir
sinto o beijo
beijo e sinto
beijo sentindo
beijo os beijos
mas nada é igual a ter
sentimento no beijo.

17 agosto 2008

inaugural

minha vida é sempre um começo.
não porque estou sempre disposta
e aberta para começar algo,
mas porque nunca termino o que começo.

14 agosto 2008

esperança

meu coração está esperando por uma pessoa.
está esperando que ela cresça.
quem?
eu mesma.

sabes o que estou a pensar?

meus olhos em busca dos teus querendo perceber o que sentes
amor
assim como eu

10 agosto 2008

lição

Onde você está?
Aqui.

Que horas são?
Agora.

Quem é você?
Este momento.

(Do filme "Poder além da vida" baseado no livro de Dan Millman.)

09 agosto 2008

antropologia visual da mulher V


Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome
que não é o meu de batismo ou cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei,
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim-mesmo
ser pensante, sentinte e solitário
com outros seres diversos e conscientes

de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco da roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrina me tiraram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Para me ostentar assim, tão orgulhoso
e ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.


(Carlos Drummond de Andrade)


06 agosto 2008

antropologia visual da mulher IV


“... é que Narciso acha feio o que não é espelho...”
(Caetano Veloso)

Quem não conhece Narciso?
O mito de Narciso simboliza a vaidade. O consumo da vaidade que nunca cessa. O desejo incessante de ser mais bonita, mais magra, mais atraente, de parecer com a modelo da capa de revistas, de usar a roupa da atriz da novela das oito...

Segundo Mccracken, a revolução do consumo surgiu paralelamente à Revolução Industrial. Essa revolução no consumo, não foi tão somente uma transformação dos gostos, das preferências e dos hábitos de compra, mas significou uma mudança na cultura do mundo. Claro, já existia uma cultura de consumo, mas foi no século XVIII que houve o “boom”: a explosão do consumo; quando se deu o consumo de massa, em que herdar objetos tradicionais dos familiares perdeu a função de distinção social e deu vez aos novos objetos. Consumir o novo virou moda, mas consumir era privilégio da classe nobre.

No século XIX, surgiu a democratização do consumo com a introdução do cartão de crédito, assim, produtos de luxo estavam ao alcance de todos. Porém, a elite buscou se diferenciar da massa, através da boa conduta e da posse dos produtos de fabricação exclusiva. Desde então, o consumo tornou-se uma atividade da massa, causando uma grande mudança social.

Atualmente, consumir é uma prática diária, e realizada de forma homogênea pela sociedade. Os anúncios vendem liberdade, poder, beleza, amigos, vida saudável... Enfim, formas “ideais” de ser. Tratam o consumidor como mero objeto, que uma vez convencido da relevância do produto para sua vida, é lucro garantido. Essa forma “ideal” de ser e essas imagens ideais de beleza são artificialmente criadas para ludibriar os receptores, com o propósito único de vender uma imagem, uma marca.


Nesta campanha publicitária da Dove, fica bem clara a proposta de uma nova definição de beleza. Claro que não deixa de ser uma estratégia (muito boa!) para vender os produtos da marca - que são consumidos por “elas” - , porém é um anúncio menos agressivo, que inspira as mulheres à se aceitarem.

Bons filmes:
Janela da Alma – Documentário (este é introspectivo, reflexivo... mostra o olhar como a janela da nossa alma)
Clube da Luta – Ficção (este discute a relação eu comum x eu que quero ser, é maravilhoso!)
Nunca é tarde para amar - Ficção (este conta a história de uma mulher mais velha - não adepta de pláticas - que se apaixona por um jovem, é lindinho!)

Boas leituras:
Cultura e Consumo – Grant Mccracken (autor do boom do consumo)
O Império do Efêmero – Gilles Lipovetsky
Outra dica é a matéria "Que o luxo seja acessível a todos" de Norma Couri do Jornal do Brasil

P.S.: Déo, obrigada pela paciência em me ajudar a postar o vídeo. Beijos!

02 agosto 2008

antropologia visual da mulher III


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha esse coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Mulher ao espelho

Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz,
já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal fez, essa cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se é tudo tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira,
a moda, que vai me matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

(Cecília Meireles)

01 agosto 2008

antropologia visual da mulher II


Vivemos na sociedade da imagem, e assim, o homem moderno recebe, assimila, relaciona e revela todas as informações através das imagens, sendo o olhar o principal meio de percepção. Através do olhar percebemos as pessoas e as coisas ao redor da maneira que desejamos, do modo que internalizamos as nossas impressões. Vemos o que vemos de acordo com nossas experiências, com a nossa educação, com a nossa percepção do mundo e do seu sistema. Mostramo-nos e conhecemo-nos visualizando e aceitando as formas individuais de ver. E nesse caso, ver quase significa pensar.

O olhar tem suas interpretações, tanto no sentido “literal” – quero dizer físico - (olhar para baixo, para cima...), como no sentido "literário" – quero dizer conceituações sobre os olhares – (olhar distante, olhar apreensivo, introspectivo...), então penso que existe a concretização do olhar, que é físico, e ao mesmo tempo é abstrato, pois há subjetivações do mesmo olhar, quando me enxergo no olhar alheio, quando um olhar me sorri, quando um olhar me propõe algo, quando um olhar me entristece, ou me engana. Eu vejo esses olhares, eu tenho sensações ao vê-los, eu me entrego quando os vejo, bem ou mal, eu os interpreto.

No texto Fenomenologia do Olhar, de Alfredo Bosi, encontrei uma reflexão sobre o fenômeno do olhar. Alfredo Bosi desenvolve seu texto a partir das citações de outros autores, da percepção do olhar físico, do significado que tem o olhar e sua intensa intencionalidade. Ele analisa várias dimensões no discurso de Simone Weil. Selecionei alguns trechos dos muitos interessantes que li:

“Em suma, há um ver-por-ver, sem o ato intencional do olhar; e há um ver como resultado obtido a partir de um olhar ativo”.

“O olhar poético se prolonga e se aguça na teoria atômica que vai infinitamente além do olho orgânico”.

“É a mente que se espelha e se confirma na sua eterna identidade consigo mesma”.

“A cegueira, diz Sócrates no Fédon, é a perda do olho da mente”.

“De um lado, memória, luminosidade do espírito e sobrevivência chamam-se e completam-se. Do outro: opacidade, morte. Duas dimensões da existência, dois olhares”.

“O olho, janela da alma, é o principal órgão pelo qual o entendimento pode obter a mais completa e magnífica visão dos trabalhos infinitos da natureza”.

“... o olho é a mediação que conduz a alma ao mundo e traz o mundo à alma”.

“Olhar não é apenas dirigir os olhos para perceber o “real” fora de nós. É, tantas vezes, sinônimo de cuidar, zelar, guardar, ações que trazem o outro para a esfera dos cuidados do sujeito: olhar por uma criança, olhar por um trabalho, olhar por um projeto”.

“Às vezes a expressão do olhar é tão poderosa e concentrada que vale por um ato. Um ato de acolhimento: dar um olhar, conceder um olhar, pôr os olhos sobre alguém, deitar-lhe um olhar – tudo vem a ser prestar atenção, o que é um sinal ou uma esperança de favor se não de benévola aceitação”.

“Os olhos não só vêem ou percebem, mas querem absolutamente”.

Esta última vale um parêntese: tem um PODER desmesurado. Prossigo com as citações que considerei ainda mais entusiásticas, que me deixaram entorpecida, fazendo-me vigiar o meu próprio olhar, assim mais de perto:

“Não é um conhecimento de simulacros ou de emanações desprendidas dos corpos. Tampouco é um conhecimento de sombras, cópias ou reflexos que remetem a idéias transcendentes à visão. É um conhecimento de pessoa, de um ser vivo cujo corpo-alma se dá ao olho que o contempla”.

“Olhar de perto, olhar de anatomista que observa, em plena luz, as mais finas articulações dos corpos vivos; olhar de naturalista que tateia, como se fosse com as pontas dos dedos, as rugas das pedras”.

Acredito que o olhar é intencional quando tem intenções outras, ou sem intenção alguma, uma simples e breve olhadela. Que tem entre o fenômeno do olhar e a antropologia visual da mulher? Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu? É preciso ter um olhar moderador perante a busca incessante da beleza. A beleza mais bonita é a do coração bondoso. Achou clichê? Sabe aquela conversa conhecida de que a pessoa nem é tão bonita, mas é tão legal que se torna bela, pois é... eu acredito.

A beleza natural é a perfeição. Tá, tá tudo bem, eu nem sou tão natural assim para estar defendendo tanto, eu também me maquio (e esta palavra pode ter várias interpretações), mas sou a favor do equilíbrio desse consumo de beleza. Gosto da espontaneidade, da naturalidade, e da velhice como ela é. Apesar de não saber se vou me adaptar.

(Desculpem as palavras mal empregadas “olhar literal” e “olhar literário”, mas enquanto estava envolvida com o texto, pareceram palavras atraentes e ainda gosto delas. No entanto, tenho dúvidas se me fiz entender, porém, contudo, entretanto, no entanto... isso não importa muito agora.)

Boa leitura:
O Olhar - Adauto Novaes (inclui o texto Fenomenologia do Olhar, de Alfredo Bosi)