Vivemos na sociedade da imagem, e assim, o homem moderno recebe, assimila, relaciona e revela todas as informações através das imagens, sendo o olhar o principal meio de percepção. Através do olhar percebemos as pessoas e as coisas ao redor da maneira que desejamos, do modo que internalizamos as nossas impressões. Vemos o que vemos de acordo com nossas experiências, com a nossa educação, com a nossa percepção do mundo e do seu sistema. Mostramo-nos e conhecemo-nos visualizando e aceitando as formas individuais de ver. E nesse caso, ver quase significa pensar.
O olhar tem suas interpretações, tanto no sentido “literal” – quero dizer físico - (olhar para baixo, para cima...), como no sentido "literário" – quero dizer conceituações sobre os olhares – (olhar distante, olhar apreensivo, introspectivo...), então penso que existe a concretização do olhar, que é físico, e ao mesmo tempo é abstrato, pois há subjetivações do mesmo olhar, quando me enxergo no olhar alheio, quando um olhar me sorri, quando um olhar me propõe algo, quando um olhar me entristece, ou me engana. Eu vejo esses olhares, eu tenho sensações ao vê-los, eu me entrego quando os vejo, bem ou mal, eu os interpreto.
No texto Fenomenologia do Olhar, de Alfredo Bosi, encontrei uma reflexão sobre o fenômeno do olhar. Alfredo Bosi desenvolve seu texto a partir das citações de outros autores, da percepção do olhar físico, do significado que tem o olhar e sua intensa intencionalidade. Ele analisa várias dimensões no discurso de Simone Weil. Selecionei alguns trechos dos muitos interessantes que li:
“Em suma, há um ver-por-ver, sem o ato intencional do olhar; e há um ver como resultado obtido a partir de um olhar ativo”.
“O olhar poético se prolonga e se aguça na teoria atômica que vai infinitamente além do olho orgânico”.
“É a mente que se espelha e se confirma na sua eterna identidade consigo mesma”.
“A cegueira, diz Sócrates no Fédon, é a perda do olho da mente”.
“De um lado, memória, luminosidade do espírito e sobrevivência chamam-se e completam-se. Do outro: opacidade, morte. Duas dimensões da existência, dois olhares”.
“O olho, janela da alma, é o principal órgão pelo qual o entendimento pode obter a mais completa e magnífica visão dos trabalhos infinitos da natureza”.
“... o olho é a mediação que conduz a alma ao mundo e traz o mundo à alma”.
“Olhar não é apenas dirigir os olhos para perceber o “real” fora de nós. É, tantas vezes, sinônimo de cuidar, zelar, guardar, ações que trazem o outro para a esfera dos cuidados do sujeito: olhar por uma criança, olhar por um trabalho, olhar por um projeto”.
“Às vezes a expressão do olhar é tão poderosa e concentrada que vale por um ato. Um ato de acolhimento: dar um olhar, conceder um olhar, pôr os olhos sobre alguém, deitar-lhe um olhar – tudo vem a ser prestar atenção, o que é um sinal ou uma esperança de favor se não de benévola aceitação”.
“Os olhos não só vêem ou percebem, mas querem absolutamente”.
Esta última vale um parêntese: tem um PODER desmesurado. Prossigo com as citações que considerei ainda mais entusiásticas, que me deixaram entorpecida, fazendo-me vigiar o meu próprio olhar, assim mais de perto:
“Não é um conhecimento de simulacros ou de emanações desprendidas dos corpos. Tampouco é um conhecimento de sombras, cópias ou reflexos que remetem a idéias transcendentes à visão. É um conhecimento de pessoa, de um ser vivo cujo corpo-alma se dá ao olho que o contempla”.
“Olhar de perto, olhar de anatomista que observa, em plena luz, as mais finas articulações dos corpos vivos; olhar de naturalista que tateia, como se fosse com as pontas dos dedos, as rugas das pedras”.
Acredito que o olhar é intencional quando tem intenções outras, ou sem intenção alguma, uma simples e breve olhadela. Que tem entre o fenômeno do olhar e a antropologia visual da mulher? Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu? É preciso ter um olhar moderador perante a busca incessante da beleza. A beleza mais bonita é a do coração bondoso. Achou clichê? Sabe aquela conversa conhecida de que a pessoa nem é tão bonita, mas é tão legal que se torna bela, pois é... eu acredito.
A beleza natural é a perfeição. Tá, tá tudo bem, eu nem sou tão natural assim para estar defendendo tanto, eu também me maquio (e esta palavra pode ter várias interpretações), mas sou a favor do equilíbrio desse consumo de beleza. Gosto da espontaneidade, da naturalidade, e da velhice como ela é. Apesar de não saber se vou me adaptar.
(Desculpem as palavras mal empregadas “olhar literal” e “olhar literário”, mas enquanto estava envolvida com o texto, pareceram palavras atraentes e ainda gosto delas. No entanto, tenho dúvidas se me fiz entender, porém, contudo, entretanto, no entanto... isso não importa muito agora.)
Boa leitura:
O Olhar - Adauto Novaes (inclui o texto Fenomenologia do Olhar, de Alfredo Bosi)