“... mas o que me impressionou mesmo eram os olhos:
seu brilho, sua animalidade e sua inquietação...”
(Mulheres de Charles Bukovisk)
Serei verdadeira como costumo ser, mesmo correndo o risco de que em conseqüência desta atitude possas mudar o teu conceito a meu respeito. Serei mesmo assim verdadeira, já que nem tudo só foi agrado, também escutei os teus desatinos, agora é a minha vez de perder o juízo.
E se eu me arrepender de ser fiel aos meus sentimentos e palavras depois de tanto me expor? E se de nada valer o que sinto? Conformo-me. Valerá a tentativa de mostrar-te o que se passa em mim. Talvez não escute o que gostaria, nem sei o que gostaria de escutar e se gostaria de escutar de mim ou daquela que te exige dinheiro. Eu também te exijo dinheiro, mas te dou prazer, então vale a pena. Foi assim que me conheceste, assim me desejaste e assim me possuíste. Não sei ao certo a partir de qual instante começaste a se aproximar de mim. Só percebi porque me seguiste até o cassino. Sabias onde me encontrar, afinal de contas à noite estou sempre acesa e a rua é o meu lar. Em cada esquina rebolo e deixo um pouco do meu riso gozado. Arrepende-te dos curtos momentos que dedicamos um ao outro? Nem tudo foi mentira, não é?
Não esquecerei as noites juntos, como lobos, domados pelo instinto. Estúpidos. Selvagens. Na rua, no carro, na escada do teu prédio, na praia, na cama da tua mulher, nos motéis mais sujos da cidade.
Mas sendo bastante racional resolvi não mais desejar-te como antes, pois que o nosso romance não pode ser. Estivemos juntos, mas nunca estivemos por inteiro juntos. Estiveste sempre à mercê das crianças, do teu chefe e dela, a quem juraste amar até o último dia da tua vida diante do Senhor, no altar. Sabes, nunca acreditei no amor. Eu, prostituta, não tenho ilusões, não sofro por homem como a tua mulher, que te liga aos prantos toda vez que estás comigo e perdes a hora de voltar pra ela. Sinto por ela, afinal também sou mulher. Mas tu és tudo o que quero. Foste capaz com sabedoria de conduzir-me a ti. Tenho pensado em ti e agido por ti. Tens um jeito lindo que é só teu. Tens a nudez de espírito. És romântico. É muito bom estar ao teu lado. Gostaria que gostasses de mim, do meu "eu" verdadeiro, que nem sempre é forte, nem sempre é belo, nem sempre é sensual. É como é. Somente tu consegues me fazer pensar em ter uma vida de santa como as camponesas em um alpendre e uma cajuína para acompanhar o canto dos pássaros. Fico imaginando essas cenas de filme... vestido singelo, uma trança no cabelo e o teu amor comigo. Acho que se fosse filme mesmo eu seria uma boa atriz, já fingi tantas vezes, mas não te preocupes, nunca contigo.
Desejo muito o teu companheirismo, mas, já que não é possível, tenho que me livrar dessa loucura de amor. Eu, prostituta, não posso amar. Esse negócio grudento. Não há lugar para mim dentro de ti e vice-versa. Não, querido, estou falando de coração, sentimentos, não de encaixe. Percebo que não estou ao alcance do teu coração, há muitas diferenças. Talvez não tenhas respostas a dar se eu perguntar: por que eu? Ou: por que não eu? Não tenho o direito de sentir medo de te perder, mas o sinto. Estou expondo a minha vontade, que é ter o teu juramento, não assim aos pingos, a prestações. O que há de mais importante entre nós são os encontros marcados para o prazer, e só. Acontece que o teu prazer não me alimenta mais. Eu tenho coração, sabias? Meu coração ainda está aqui no lado esquerdo do peito. Consegues sentir? Ter coração, ou melhor, ter consciência para se permitir ao prazer e se privar de um sentimento bonito, separando do amor o sexo, não quero sentir por ora. Estou cansada dessa instabilidade: escondido, proibido, errado.
Guardo e somo às minhas experiências o que tivemos e já sinto saudade de tudo isso. Levarei comigo os momentos deliciosos de empolgação e euforia. Levarei comigo o teu jeito menino, o teu sorriso safado, tuas danações, tuas provocações, tuas palavras afetuosas de conforto e orientação. Um dia quem sabe saio dessa vida. Mas neste momento opto pela distância do teu corpo. Não adianta me dar carro, casa, sobrenome. Outros me darão. Tu nunca me darias o teu amor. Trairias a minha fidelidade assim como fazes com ela. E não me venhas com propostas. Teu dinheiro não compra a tua própria fidelidade. Não há nada para repensar. Não te prometi a eternidade, e quem de imediato a promete, meu bem, mente. "Estranhos no primeiro encontro, estranhos na despedida", já dizia Bandini, não seria diferente conosco. Ah, mas deixa comigo uma caixa de cigarros de cravo-da-índia? Lembrarei de ti sempre que fumar um. Sinto, meu bem, esta dama já te pertenceu. Sinto. Elejo o meu coração prostituto.
Vou andar pelas ruas, me sentir nua, me matar.
2 comentários:
Adorei esse texto. Já o reli 2 vezes. Ele é instigante, apaixonante. À flor da pele. Gostei mesmo Raquel. Vamos ao cinema sim.
Uma prostituta do século XX.
Thiago Braga dixit
Ao Thiago Braga:
Sim, pode ser, por que não?! rsrs...
Vc devia comentar. Bjoo
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